Star Wars: A Ascensão Skywalker abraça o passado para encerrar a saga com dignidade

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Após 42 anos a saga Skywalker está encerrada nos cinemas, após uma ascensão gloriosa. Sem trocadilhos. O universo criado por George Lucas meio século atrás é hoje parte da cultura atávica do mundo moderno, e mesmo os poucos que nunca viram o filme já ouviram falar dele ou dividem algo que faz parte desse universo sem saber. Com o alcance de toda mídia, e com o poder de uma religião, Star Wars sempre foi concebido para ser uma sequência de três trilogias, e coube à J.J. Abrams consolidar a visão de George Lucas e trazer um fechamento que será visto por centenas de milhões de pessoas. Sem pressão.

A Ascensão Skywalker é um filme Star Wars e como tal deve ser julgado. Isso significa dizer que haverão buracos no enredo, muitas coisas inexplicadas que ocorreram desde o filme anterior e outras perguntas que ficarão em aberto após o final. Nada mais natural, e é injusto que critiquem o filme por não responder à 42 anos de perguntas, teorias e devaneios. Dentro desse contexto, se trata de um filme muito bem amarrado, não somente ao novo arco, mas à todo o cânone (material tido como oficial e “verdadeiro”), e abraça de modo familiar a trilogia original. É confortável sem ser seguro, e isso diz muito.

O filme trabalha boa parte em uma zona de conforto por resgatar, reciclar e utilizar elementos vistos em toda trajetória, e deixa de ser seguro por explorar esses mesmos elementos de maneira inesperada. Se o foco sempre haviam sido os Jedi, a ousadia foi levar a direção da história rumo aos Sith, e o legado dos mesmos, tão negligenciado até então. Só por isso o enredo já teria valido a pena, ainda que tenha deixado aquele gosto de quero mais.

Em termos de atuações, o time de casting pegou o recado dos fãs: “não gostamos da Rose”, e parou de tentar forçar ela garganta abaixo, e no que errou na Rose, acertou nos novos personagens, todos funcionais, sem tirar o brilho do quarteto de protagonistas. Adam Driver finalmente consegue mostrar mais o lado dramático que lhe deu fama, Daisy parece menos deslumbrada e mais madura em sua atuação, Oscar Isaac e Boydega continuam sendo ótimos em tela. Tudo funciona na atuação, bem apoiada pelo elenco sênior da saga.

Elementos clássicos das enealogia se repetem: o romance é algo bem leve, superficial e pouco explorado, um novo droide se junta ao elenco robótico e uma nova criatura engraçada é apresentada ao público, tudo com a bela trilha sonora de sempre. E nada insuportável como Jar Jar, amém. Novos mundos visualmente interessantes são trazidos ao cânone e outros velhos conhecidos são resgatados, expandindo ainda mais as fronteiras da imaginação.

E nesse leque de tantos elementos, Abrams conseguiu não se perder, e usar todos eles com toque de mestre, entregando um filme que além de lembrar muito a trilogia original, se distanciando um pouco do tom do último filme, faz muitas referências à todo material de apoio, e passa ao grande público impressões de outros sucessos do cinema como Harry Potter e as Relíquias da Morte, por conta do tipo de missão quase se esperança que os protagonistas se lançam, um pouco de Ultimato pela grandiosidade da sequência final e até mesmo os tons subversivos de Matrix. Ou seja, diversão para todos os gostos.

O melhor de tudo talvez seja que o diretor abraçou a tarefa de dar um final digno a todos os personagens, clássicos ou novos, e todos foram devidamente cuidados nesse final, sem nenhum deixado de fora. Todos tinham e tiveram sua função, cabendo ao mais cênico deles, C3PO, uma importante missão. Isso mostra o carinho com que o legado foi tratado, com uma certa independência da sombra de Vader, já tão explorado, outro ponto de coragem.

Obviamente o filme será duramente criticado. E assim seria de qualquer forma, pois Abrams ousou contar o final da família mais icônica (e disfuncional, há de se convir) da história do cinema, destruindo simultaneamente milhões de finais que as pessoas já tinham em suas cabeças e corações. Mas ninguém realmente se vai e esse final pessoal continuará vivo na alma das pessoas.  

Muitas tentativas de pregar rótulos já estão sendo feitas no filme, mas logo serão águas passadas. O filme não defende bandeiras, e se foca em alguma lição ou moral seria a que há coisas mais fortes que o sangue, como o livre-arbítrio e as próprias escolhas, com a liberdade de se ser aquilo que se é independente da origem, quebrando o forte maniqueísmo que até então havia moldado a jornada do herói, oferecendo uma conclusão mais próxima do equilíbrio da força. Joseph Campbell estaria orgulhoso ao ver a saga abraçando e aceitando seu passado de luz e trevas, mas apontando pra um futuro onde são vários os espectros de cinza a serem seguidos, em uma galáxia já não distante assim, onde a força continuará com todos por muitos e muitos anos.