Máquinas Mortais mistura dislumbre visual com inteligente crítica geopolítica

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Peter Jackson, após o grande sucesso obtido com o mundo do Senhor dos Anéis, andava meio afastado dos filmes, procurando algum projeto interessante para voltar à cena, e esse projeto foi Máquinas Mortais, adaptado do livro homônimo.  

Distópico e pós apocalíptico, seguindo o tema mais queridinho dos filmes de ficção e realismo fantástico atuais, Máquinas Mortais se situa quase mil anos no futuro, no qual uma guerra quântica (nuclear?) teria reduzido boa parte da natureza à pó e forçado as pessoas a morarem em gigantescas cidades móveis, que sobreviviam através da destruição de outras cidades.  

O filme não perde tempo explicando a lógica aos expectadores e já parte direto para a ação, com a cidade-máquina de Londres perseguindo uma pequena cidadela, que faz de tudo para fugir. A identificação com as grandes navegações dos séculos 16 e 17 (especialmente para a Inglaterra) é imediata: o poderio econômico e militar europeu atuando de forma predatória contra os “inimigos” que poderiam providenciar bens escassos, comida e mão-de-obra barata. Enquanto isso, internamente, a cidade finge que está tudo normal, com seus cidadãos sendo entretidos a cada perseguição, o famoso pão e circo romano. E essa extrapolação da sociedade predatória existente encontra limites em um fictício reino murado no extremo oriente, que conseguiu resistir às cidades-estados-máquinas. São os anti-tracionistas, que se opõem ao estado sobre rodas. 

Nesse jogo de “war” ambulante, o trabalhador de museu Tom Natsworthy (seria um jogo de palavras para “not worthy” ou em tradução livre, que não vale a pena?), recolhe relíquias das destruição a cada cidade engolida e tenta proteger a “tecnologia antiga”, que seriam peças da era pré-holocausto e que poderiam ter alguma utilidade bélica, e assim conhece Katherine, filha de Thadeus Valentine (o sempre excelente Hugo Weaving), um misto de historiador e cientista influente que busca recolher tais artefatos, e é atacado pela misteriosa Hester, filha de Pandora. Como não poderia deixar de ser, Pandora tinha a sua caixa e nela também havia o pior da humanidade, em versão fim do mundo, sem contudo se saber se haveria a esperança nessa caixa.  

Os acontecimentos levam o improvável casal Tom e Hester a se aventurar pelo mundo destruído, encontrando aliados e inimigos, que nem sempre seriam tão fáceis de se identificar, mas que moldam a aventura, com personagens tão improváveis como um defunto-robô assassino (seria a máquina mortal ou seriam as cidades-carros?) e aviadores lutadores de kung fu, o que acaba lembrando filmes como Matrix e O Mistério da Estrela, esse último pela jornada do herói, mostrando o carinho que o diretor tem por aventuras transformadoras de seus personagens, como seu famoso Hobbit. 

O que poderia ser uma estranha mistura de elementos acaba funcionando bem em um filme fechado em sua estranha realidade, que não se preocupa em se explicar, e apresenta ao expectador o fascínio de roupas, aviões e cidades móveis, mas que não passam de um museu de grandes novidades para apresentar o imutável ser humano, a verdadeira máquina mortal, seja em suas mesquinharias, seja em sua coragem, em um tipo de história clássico e que, bem contado e com bons personagens, se torna uma impressionante atração, que diverte e faz pensar. Bem vindo de volta, Jackson.